quinta-feira

Preâmbulo perdido




















“São uns cavalos em cima de você! Te atropelando!!”

Kika, muita atenção agora. Faça que sim com a cabeça, e espere que a próxima frase te ajude a captar tudo o que você perdeu. Anda, Adriana... Uma pista, vai! Mas a amiga não vai me dar essa colher de chá, né? A maldita aguarda um comentário meu, vestindo a expressão mais ansiosa de seu repertório. Sou salva temporariamente por algum querido que pipoca no msn neste instante (estamos sentadas no meu escritório): tenho assim uma desculpa pra fugir de seu olhar inquisitivo e teclar alguma amenidade no computador, enquanto, na minha cabeça, busco desesperadamente o fio da meada. Traço e retraço os passos de nossa conversa recente, mas não adianta: por nada neste mundo consigo me lembrar como é que os tais cavalos vieram parar em cima da Adriana.

“Por que a cara de reprovação?!”

Hein? Quer dizer que o meu semblante de quem perdeu a concentração há uns cinco minutos se assemelha a um nariz torcido? Vai entender... Mas, como meu google search mental não retornou mesmo nenhum resultado, sou obrigada a confessar que não estou criticando ninguém: não entendi bulhufas daquele papo de cavalos e atropelamentos. Para o meu alívio, a essa altura, nem a Adriana se lembra mais. Meno male! Rimos um bocado de seus delírios eqüestres e voltamos ao último assunto conhecido: algo sobre as manias derivadas de se morar sozinho.

“Você, por exemplo, está enrolando isso aí muito bem. Isso, a gente só aprende quando não tem mais quem faça.”

Agradeço o elogio e me pergunto se existe alguma conexão entre tudo isso... (?)

Poucas coisas me dão tanto prazer na vida quanto um bom tête-a-tête com alguns amigos seletos. De preferência, em ambiente com acesso a comes e bebes, música e informação, bom humor e boas lembranças. Minha casa, modésita à parte, é uma excelente pedida. A casa de minha amiga Renatinha também: além de linda, é destes ambientes que sempre suscitaram bons papos. Nada como a boa química humana “shaked but not stirred” por um bom anfitrião.

Desde que virei CDF, minha vida social tem se limitado forçosamente a esses très petits comités, mas, disso, ninguém há de me ver reclamar. São os outros efeitos de vários meses de reclusão que estão começando a emergir e me preocupar. Duas coisas, em particular: (1) estou assistindo ao final da novela Belíssima e (2) comecei a gastar horas de conversa com seres internéticos.

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Acabo de encontrar o texto acima, evidentemente inacabado, no meu computador. Data do começo de 2006, um breve período em que larguei tudo para estudar, no intuito insano de ingressar na carreira do meu pai e avô, a diplomacia. Como nunca vou concluir a postagem - meus rumos mudaram um bocado desde  então! - resolvi postar ele aqui assim mesmo: preâmbulo divertido de um texto que nunca foi. 


Acho interessante o que ele anunciava, tantos anos atrás. Superei, benzadeus, o ponto (1) acima. Mil vezes ufa!! O ponto (2), por sua vez, segue forte: ambientes "com acesso a música, informação, bom humor e boas risadas" continuam sendo minha personal preferência nacional. Tudo ainda está em seu devido lugar: o tempo passa, a fila anda, as coisas importantes seguem sendo importantes, e cavalos seguem atropelando pessoas todos os dias em algum lugar do mundo.

domingo

25 random things about Kika


Arrogante, eu??















Na falta de coisa melhor para postar aqui, vai um exercício divertido que andou rolando pelo Facebook. Dessa vez em inglês, que é a língua corrente por lá. A idéia é fazer uma listinha de 25 ítens aleatórios sobre sua pessoa. Aqui vão os meus.

ϙϘϙ ϘϙϘ ϙϘϙ ϘϙϘ ϙϘϙ ϘϙϘ ϙϘϙ ϘϙϘ ϙϘϙ ϘϙϘ ϙϘϙ ϘϙϘ ϙϘϙ ϘϙϘ ϙϘϙ

01.
I was once chased by a pack of 10-15 Brazilian filas (a huge breed of dog) and survived to tell the tale.

02.
Some people find me arrogant, which really pisses me off. How DARE they?!

03.
My great-great-grandfather was an eminent anti-slavery activist and journalist. The quality of his connections – more than his poems, I’m afraidensured him a perpetual seat among theimmortalsof the Brazilian Literary Academy. His position (chair number 21) is currently usurped by Paulo Coelho, who can’t spell to save his life and who, to my knowledge, hasn’t any credentials in thefreeing people from oppressiondepartment either.

04.
My pre-pubescent girlfriends (half of whom are now on Facebook) and I once sat around a campfire and chanted: “queremos ver homens pelados, queremos ver homens pelados” (http://www.freetranslation.com). The ritual was witnessed by my younger brother, who saw it fit to reminisce about it many years later in the most appropriate of places: in the family car, in the presence of, well, three generations of my family. To this day we don’t get along all that well, and the little brat who nearly flew off a moving car wonders why.

05.
My left breast is smaller than my right breast. When I was younger, my friends used to recommend that I operate to reduce the bigger one. Now they tell me to get a boob job to enhance them both! How’s that for a shift in beauty standards? (Brazilians used to like them small before the advent of cable TV and American sitcoms).

06.
I can endure my own pain without much fuss, but get totally freaked out when people tell me their blood-and-guts stories. So please spare me the details, la-la-la-la-la, ouviram do Ipiranga as margens pláááácidas...

07.
I don’t really enjoy reading the newspaper and only glance it superficially so as to avoid major embarassment. Why on earth did I choose to become a journalist, you may ask...

08.
I can be talked into almost anything.

09.
I haven’t got much time for vanity. Which is my way of dealing with the fact that I haven’t got much cash to spend on supplements and cosmetics.

10.
I quit smoking four years ago. Though cigarette smoke does bother me these days, something inside me still goeshmmm... yummy!” when I spot a packet of Marlboro reds. It takes me a couple of seconds to remind myself that I don’t like them anymore. Oh and I refuse to side with the anti-smoking lobby, whom I still wish would get a life.

11.
I’m generally more inclined to like people than to dislike them. There are only about three people I officially hate.

12.
I love dancing and will be quick to make a fool of myself in the middle of an empty dancefloor if the dj plays a song I really like. In contrast, I am completely useless atfaking it”.

13.
I can forgive some people for having bad musical taste, but cannot get my head round the idea that a person can have no interest in music whatsoever.

14.
My facial expressions are completely out of control. I have made more than one enemy from my utter inability to disguise fear, disgust, disappointment. My current profile pic seems to confirm that I’ve had this problem from a very tender age (I must have been a silent-film star in a past life).

15.
For a period of about 18 months I subscribed to the insane notion that I could be a diplomat. Once again, refer to item number 08.

16.
I’ve read the Old Testament back to back.

17.
I own an accoustic guitar which I’ve never learned to play. It was once possessed by an evil spirit.

18.
I admit I was deeply impressed by the premise of films likeWhat the bleep do we know”. I fully believe that I have been able, more than once, to will things into happening. Call me Pollyanna.

19.
I used to have a thing for drummers.

20.
I’ve only done about 1,000 situps in my entire life. I did take up cycling a couple of years ago, though, which is some improvement.

21.
Good writing can make me climax.

22.
I resent losing friends to motherhood. I wish they wouldn’t turn into different people and start pitying YOU for not sharing in their interest for nappies and rashes.

23.
Though I appreciate art, I find most texts talking about art or artists full of s**t.

24.
I was single for so long that half of Rio de Janeiro think I’m a lesbian.

25.
I’ve been in a good mood for the past three years or so. In fact, for the past three years or so, I’ve not uttered 25 sentences in a row without mentioning the Caipirinha Appreciation Societ... Damn it I’ve done it again.

O olhar do outro



“É ótimo ficar assim abraçadinho. Eu também sou carente.”

Tam-bém? Como assim, também?? Também é a puta madre que te pariu, seu @#$%¨& dos infernos!

Nada disso saiu de minha boca, é lógico. Não é de meu costume expulsar ninguém a pauladas de minha casa por um simples comentário pouco lisonjeiro. Aliás, não é – ou, pelo menos, não era – de meu costume me importar muito com o que os outros pensassem de mim. Já que minha timidez tantas vezes passa por arrogância; já que não falta quem veja no meu celibato a prova concreta de meu lesbianismo; já que os leitores desavisados destas minhas blogueiras confissões me têm como uma grande "libertina" (pra não usar as palavras deles)... A todas as concepções vigentes sobre minha pessoa, a adolescente dentro de mim sempre respondeu: e daí?

Mas como todo adolescente, além de blasé, tende a ser equivocado...

“E daí” é uma ova, Dona Kika! Até parece que eu, também, não sou moldada pelo que os outros pensam de e a maneira como reagem a mim... Não há como fugir do olhar do outro: ele nos constitui. Como disse lindamente o lindo escritor de lindos e angolanos romances José Eduardo Agualusa: “somos o que esse olhar diz a nosso respeito.”

Bom, pra não perder a banca totalmente, digamos que há quem se importe com o que qualquer ser humano pense dele, e os que se preocupam com o que alguns indivíduos possam vir a pensar deles. The good news is you can choose your mirrors.

A adolescente dentro de mim sempre teve a pretensão de querer ser Kika à revelia dos olhares alheios. Só segui mesmo os poucos modismos que me agradaram ou os que a gente simplesmente não pode ignorar sem cair no ridículo. Vejo na minha coleção de discos (nada de mais, nada de menos: cerca de 500 CDs e uns 300 LPs) um paralelo interessante da imagem que – quando estou de bom humor – gosto de ter de mim mesma: uma coleção variada, cosmopolita, desprovida de grandes preconceitos e dotada de várias preciosidades... ao mesmo tempo em que tem grandes – enormes, abissais, imperdoáveis! – limitações.

São essas limitações aquilo que a visão do outro mais nos comunica. Já que estamos sempre muito mais predispostos a nos identificar com nossas virtudes, a percepção de nossas fraquezas pelo outro é muito mais reveladora do que o elogio a nossas evidentes qualidades. Não só isso, o olhar do outro pode se tornar a força motriz para que tomemos alguma atitude transformadora acerca de nosso próprio comportamento. Afinal, não posso deixar que tenham essa opinião de mim!

Nada disso é novidade nos mais de três mil anos da história da filosofia. Mas não há Schopenhauer no mundo que te console a grande – enorme, abissal – tristeza quando um sujeito diz que gosta de te abraçar porque “também é carente”. Note-se a escolha do verbo “ser”, em oposição à alternativa “estar”, denotando um estado de permanência. Para uma mulher novamente solteira aos 34 anos, ver assim o seu reflexo no outro significa admitir:

– Pronto, deixei de ser um indivíduo e me transformei num estereótipo.


Sou Bridget Jones. Sou Carrie Bradshaw. Ou, o que é pior, sou todas as mulheres REAIS que abrem seus corações na série do GNT que estou roteirizando agora (Nós e Elas, em breve nas suas telinhas). Já discursei neste mesmo blog sobre a alegria da minha recém-descoberta identificação com as mulheres de meu tempo, mas não é desse tipo de correspondência que estou falando agora. Falo da associação ao estereótipo da “balzaca moderna”: da mulher de trinta-e-tal que esconde, atrás do glamour pessoal e do sucesso profissional, o profundo e inconsolável anseio por uma família.


Não me entendam mal, namorar é bom e eu também gosto, por incrível que isso possa parecer a muitos! Mesmo depois do sufoco de uma separação, chega uma hora em que a gente se cansa, mesmo, dessa carreira sólo independente. Tenho encontrado muitos homens interessantes ao longo desse caminho – como testemunham os posts deste blog – e minhas idiossincrasias, minha maturidade sexual, ou mesmo meu excesso de articulação certamente já assustaram a muitos deles. Que fazer? Quero, como a maioria das pessoas normais, amar e ser amada, mas não posso me transformar em outra para que gostem de mim, por maior que seja a minha adaptabilidade e o meu zelo pelo auto-aperfeiçoamento (até parei de fumar antes que me pedissem). Na pior das hipóteses, me diria uma solteirona resignada. Isto é, pelo menos até o infeliz me mandar aquele “também”. Também!?!

Também não esculachemos o moço, que na verdade não fez mais do que uma constatação inocente. O Pequinho veio com outra semelhante alguns dias depois. Devo estar mesmo emitindo sinais de carência para todos os lados. É natural, e a descoberta não me choca ou perturba. O que, sim, me incomoda é a maneira como esse dado é interpretado – e catalogado – pelos outros.


O problema é esse apego das pessoas às classificações. Branca de classe média, tive a sorte nessa vida de nunca ter sido o alvo típico dos preconceitos mais correntes, mas isso vem mudando sensivelmente com a progressão dos anos e da idade, o que se traduz muito claramente nas relações com o sexo oposto. Os homens tendem a entrar em pânico quando descobrem que, apesar do seu corpinho de 24, já vai uma década desde que você ostentava tal idade. Os que não fogem gritando não se aproximam de você com a mesma tranqüilidade que teriam com uma moçoila de 20. Isso, meus queridos, é preconceito. Isso é quando o olhar do outro não constitui um reflexo, mas uma projeção. Eu me recuso a acreditar que toda trintona no mundo seja uma Glenn Close descabelada, disposta a tudo para embolsar um maridão. Tenho certeza de que muitas, mas muuuuitas, ainda pensam em curtir a vida, ainda têm sonhos a realizar muito diferentes da monomania da maternidade, e vivem plenamente um dia atrás do outro, livres desse "desespero" todo que se atribui à faixa etária...

O que acho engraçado é que, ao mesmo tempo, eu vejo à minha volta pessoas super novinhas que não nutrem metade da curiosidade e do potencial de encantamento com o belo e o novo que eu levo em meu coração! Vejo meninas muito mais preconceituosas e menos dispostas a explorar e descobrir... Dado que minha perplexidade perante o mundo só aumenta com o passar dos anos, – tenho muito menos certezas agora do que as que tinha quando garota – digo, com toda sinceridade, que em muitos sentidos me sinto mais jovem hoje do que antes. Não é discurso de auto-ajuda, gente: é a mais pura verdade.


Daí, eu acho, minha indignação com o pobre do menino e seu comentário pouco lisonjeiro (ainda que sua franqueza brutal fosse uma das coisas que mais me interessassem nele). Afinal, por muito perspicaz e sensível que ele venha a ser, no fundo foi mais um que me leu como um código de barras:


8070 1 = Balzaca
97685 = Carente
300000 = Perigo do relógio biológico!
14789000-1 = Fugir, fugir!!

– Transação efetuada com sucesso. A senhora confirma?

Não confirmo. Negarei (solteira, se for o caso) até a morte.



P.S. Luiz Henrique Araujo, consultor culinário e filosófico deste blog, me diz que a carência é o que nos move nessa vida desde o dia em que nascemos: a carência de leite materno, a carência de proteção familiar, a carência de sexo, de estímulo intelectual e expressão afetiva. É o que nos faz buscar prazer e conhecimento, ler, trabalhar, criar. Sou carente, sim: GRAÇAS A DEUS! brada o vozeirão amigo no celular. ...It’s all about the mirrors you choose... o que seria de mim sem esses meus refletidos desabafos?

sexta-feira

Carta de amor



Também, o livro escolhido por minha madrasta para minha iniciação literária, nos idos dos meus 12, 13 anos, foi Senhora, de José de Alencar! Era o meu destino que se selava: lá fui eu, na minha inocência, aprender sobre o amor com os românticos! E assim surge Kika, fadada ao anacronismo, propensa a se apaixonar mais pela idéia do amor do que pela pessoa amada. Em outras palavras, "estranha" desde a mais tenra idade.

Queridos,

Essa urgência insana de compartilhar minhas reflexões com o resto da humanidade não coincidiu com um coração partido por acaso. A partir do momento em que a paixão se consumiu, foi-se a vontade de escrever! Para os que me perguntam por que eu não embarco em projetos literários, eis a resposta. Só sei mesmo me expressar sobre minhas mazelas românticas. Minha única profissão alternativa implicaria na aquisição de um chapéu de caubói, um parceiro e uma viola.



Assim, pouco inspirada (vocês que são artistas, me respondam: é preciso sofrer para criar?), vou poupá-los de elucubrações vazias e tirar uma boa história do baú.

...Já contei que fazia muito tempo que eu não amava de verdade... Só não falei de todos os amores que eu inventei enquanto isso! Amigos, entendam... Espíritos sertanejos como o meu precisam de uma Musa... Para a gente, a paixão idealizada é psicossomática, fruto de uma necessidade patológica de amar. E, por mais que confunda, ela passa. Até passar, o único sintoma adverso é uma certa inclinação para as declarações bombásticas.

Com vocês, O dia em que me apaixonei... a-hem... por Pedro Luís.



Escuta aqui, rapaz.

Você não me conhece. Me sorriu duas ou três vezes (aii...), apareceu numas quantas matérias que eu roteirizei, conhece alguns amigos meus. Mas não me cumprimentaria na rua, não sabe sequer o meu nome. De forma que não tem o direito de ir invadindo minhas fantasias assim. Faça o favor de deixar os meus sonhos em paz. Ninguém te deu permissão pra me transformar, a essas alturas da vida, numa adolescente apaixonada.

Pedro Luís, Pedro Luís... Já foi gostoso te adorar à distância, te namorar com os olhos, curtir essa paixão sem conseqüências. Mas meu doce amor platônico cresceu tanto, que hoje chega a doer. Porque toda vez que te encontro, ele se confirma; porque sei que você não há de estar sozinho, e ainda assim te desejo; porque eu (jovem, solteira) tenho lá meus admiradores, mas é você (distante, impossível) que faz o meu coração suspirar... Quem te deu o direito de me encantar tão profundamente? Vá ser tão adorável pra outros lados (be good to me, please...).

Diga-se que isto se trata de um delírio insone - um impulso impensado - um desabafo. Não tenho feitio de destruidora de lares, Pedro, nem nasci pra ser tiete. Na verdade não há finalidade alguma nessa mensagem, fora a de levar pra mais perto de você esse sentimento insólito. Talvez eu ache que você entenda. Talvez espere que goste. Talvez esteja realmente ficando louca.

Assim, louca de amores, vou eu tentar dormir agora (me despeço dessa realidade ingrata, pra ir me casar com você em sonho!). Se acaso nos cruzarmos de novo um dia desses - o que é quase inevitável, - você há de me reconhecer: serei eu a garota tentando esconder a cabeça dentro da bolsa...

...Por mais que até me orgulhe desse meu amor anônimo. Por sua inocência sincera, sua intensidade... adolescente. Fique sempre, sempre bem, Pedro Luís. Te quero absurdamente. E tenho dito. Boa noite, meu amor.



Pois eis que amei Pedro Luís. Sim, aquele, o d'A Parede... Algo naquele jeitinho modesto e "do bem" me seduziu imensamente naquele momento de minha vida. Durante algumas semanas (meses?) de minha existência, fechei os olhos todas as noites (e vários momentos do dia) para fantasiar com ninguém menos do que aquele rapaz!

Para os que ainda têm dúvida, a carta acima foi, sim, enviada. E a correspondência que se seguiu foi longa, divertida, carinhosa. Uma história de amor com começo, meio, e fim, que, à sua maneira, me deu muita satisfação... Eu sou das que se expõem sem medo, e raramente se arrependem.

Minha mãe, louca diagnosticada, foi a primeira a me entender. Mau sinal. Isso porque a culpa não é nem dela, e sim da bendita (querida, amada) madrasta que um dia me apresentou a José de Alencar...

segunda-feira

X-Filé



Queridos,

Descobri duas coisas recentemente que me deixaram perturbada. Uma é que está saindo um livro aí chamado "Kika, a estranha." Não sei por que, mas me identifico misteriosamente com o título desta publicação. Será uma biografia não autorizada? Ou será que todas as kikas são estranhas? (a de Almodóvar ganha até de mim...)

Depois veio o papo das abduções. Comentei com a Renatinha que 90% das vezes em que eu olho o relógio (seja de pulso, do celular, do computador, da rua, do metrô...), a hora marcada é 13:13, ou 21:21, ou 07:07 etc etc. É verdade mesmo, chega a ser meio preocupante. Ela me contou que - segundo a conceituadíssima revista científica Super Interessante - as pessoas que têm isso foram ou serão abduzidas por alienígenas em algum momento da vida.

Será que tudo isso explica porque ando, assim, meio desligada... justamente quando devia estar sentindo os meus pés no chão? Afinal, só tem coisa boa acontecendo na minha vida: minha casa está linda e estou adorando morar onde moro. Meus amigos e família são todos figuras ótimas, sem exceção (mesmo os loucos são maravilhosos). Estou trabalhando só com coisas que me dão prazer, só com pessoas agradáveis e interessantes. Um surto de mecenato familiar vai me render um apartamento muito em breve. E ainda rolam umas milhas aéreas pra fazer uma viagem a um destino de minha escolha!

É, meus caros... agora que o Sr. Serra se acostumou a ser embaixador, eu sou oficialmente uma filhinha de papai. É chegada a hora de engolir meus 33 anos de desdém pelos valores burgueses... Daqui a pouco estou usando argolinha de ouro e bolsa da Louis Vuitton. Quando é que o Collor vai se re-candidatar??



...Será por isso que estou me sentindo tão borocoxô? Será meu lado trotskista se revirando dentro de mim diante dessa nova configuração dos fatos? Uma luta de classes interior?!

Porra nenhuma. É dor de cotovelo, mesmo.

A realidade é que depois de muuuuuitos anos de vácuo emocional, eu me apaixonei. Perdidamente. Desde que me divorciei, tive lá meus romances, desses que vêm e que vão sem deixar marcas: caras mais velhos, caras mais novos, cariocas, pernambucanos, gaúchos, you name it. Não existe um molde de homem que me agrade, o que eu estou sempre buscando é algo muito subjetivo, uma... sensação. Coisa que há muito tempo eu não sentia. Esse prazer absoluto na companhia de uma pessoa... esse afeto sem fundo nem fim... esse tesão alucinanteeeee...

Eu vi todos os sintomas. Mas demorei a perceber - demorei a admitir - que, dessa vez, eu estava mesmo in love again.

Talvez porque - pela primeira vez na minha vida - esse sentimento não fosse recíproco. Já rolou atração não correspondida, carência não correspondida, piração-na-batatinha não correspondida (quem sabe, sabe), mas juro: todas as pessoas que eu a-m-e-i me amaram também. Ou pelo menos me enganaram muito bem.

Luciano não me ama. Gosta de mim, mas nunca me amou. Vocês não imaginam como isso é devastador.

Primeiro dei ataque de mulherzinha e quis cortar o garoto de minha vida totalmente, numas de curar o orgulho ferido com o esquecimento. Nada feito. Não dá, ele é querido demais. É uma alegria muito grande conhecer esse homem tão adorável e poder desfrutar da simples existência dele. Eu, que sempre busquei ver as situações que se apresentam na vida como uma oportunidade de me melhorar "enquanto pessoa humana", resolvi tentar tirar alguma lição desse desencontro... Tinha que me concentrar com todas as forças só nessa alegria... A dor? A dor você transforma em algo mais saudável, mais sábio, por algum processo de alquimia qualquer.



É preciso ir fundo, cara-pálida: não é mole, não. Até no Budismo eu fui buscar consolação. O esforço psicológico e filosófico tem sido tamanho, que eu acho até que consegui. Sofrer pelo moço, há muito já não sofro mais. Me acostumei ao fato de não fazer parte da vida dele, e a aproveitar os momentos de pura delícia que ele tem pra me oferecer... O que tenho com ele é muito gostoso, sincero, divertido, e pra mim está ótimo assim.

Acontece que, por mais que você consiga varrer seus anseios para o subconsciente, eles ficam lá, puxando o tapete da sua auto-estima. Por baixo de toda essa fachada zen, tem uma mulher gritando descabelada: WHY, WHY, WHY??? Por que o destino põe um homem tão perfeito no meio do meu caminho só pra ele não gostar de mim???!

É porque sou feia.
É porque estou velha.
É porque - é evidente - sou Kika, a estranha... Cobaia de alienígenas e mal-amada pelos terráqueos!

Conclusão: você supera heroicamente a dor de cotovelo só pra mergulhar numa crise existencial. Maravilha.

Amigos, me ajudem. Digam que não sou tão unlovable assim! Digam que outro homem encantador e maravilhoso seria capaz de gostar desse meu jeito, hmmmm, digamos, "peculiar" de ser! Pode ser mais novo, mais velho, pernambucano, gaúcho, o que for! Contanto que goste de mim e de minha futura coleção de bolsas Louis Vuitton.

São 11:11. Escrevo de novo depois de dar umas voltinhas de disco voador (esses E.T.s também bem que podiam me dar uma luz...)

Beijos e afagos em todos

Kika

Quatro Acasalamentos e Um Funeral



As histórias que estou prestes a narrar são de natureza íntima e talvez causem constrangimento às almas mais puritanas. Certamente seria mais sensato legá-las à tradição oral: aquela passada de amiga a amiga, atravessando gerações espontâneas de chopes e risadas. Se as reproduzo aqui, será para evitar que elas tomem proporções mitológicas; por querer continuar a exploração blogueiro-filosófica de todas as minhas facetas; ou simplesmente por me tratar de pessoa influenciável, cujos amigos insistem que eu conte tudo nessas páginas. Sem pensar nas conseqüências, o Arquivo K de hoje joga a porra no ventilador.



Capítulo primeiro.

Depois de um árduo dia de trabalho, duas almas cristãs conseguem me arrastar pra tomar uma cerveja ao som de um sambinha bacana. Kika, míope e convalescente de um coração partido, passa batido pelo violonista de sete cordas, sequer percebendo que seus atributos físicos não estão nada aquém dos musicais.

Finda a primeira parte do show, o rapaz se planta do meu lado. O papo engata de primeira, e avança desvairado em todas as direções. O interlúdio transcorre sem que a gente credite a existência de outras pessoas na mesa. Quando o conjunto se dirige ao palco para o segundo set, a ficha – plim – cai. Kika, desiludida e míope, porém não cega, finalmente se dá conta de que o violeiro é uma gracinha – e está no papo.



Não é que o gatinho me acompanhou até a porta de casa? E subiu? E entrou? Conversamos, bebemos, ouvimos música, bebemos, fumamos um, bebemos. Até dançar, a gente dançou. Estávamos nos divertindo, curtindo cada momento, totalmente à vontade, totalmente sem pressa. Jovem, mas muito inteligente e interessante, o menino tem o dom do toque, aquele equilíbrio perfeito entre força e delicadeza que poucos conhecem. Os beijos se introduzem em nosso colóquio com toda naturalidade e doçura. E estendem-se, enfim, até o quarto.

Fade out.

Arrasado, ele explica que acabou de sair de um longo namoro e se desacostumou a usar camisinha. Eu demonstro minha compreensão partindo em súbita disparada. O violonista de sete cordas corre em meu encalço e me encontra debruçada sobre o vaso. Depois de tantas negociações, desfrutadas com tanto deleite, ele brocha, e eu passo mal, nua e indignamente, no banheiro de empregada.

Bom. Subtraindo a última hora de humilhações generalizadas, a noite foi ótima.

Capítulo segundo.



Mal se completou o quorum da festinha, e já tinham me apelidado de “Baronesa” (não sei se em alusão aos meus régios modos, ou pela semelhança com uma certa personagem de novela vitimada pelo Alzheimer). O barquinho era pequeno: no interior, uma cama de casal e duas micro-cabines. Sei que, lá pelas tantas, os convidados começaram a se acomodar. O primeiro se estirou ali no convés mesmo, e dormiu o sono dos anjos enquanto a festa ainda rolava solta à sua volta. O segundo largou a namorada do lado de fora, para se aposentar sozinho numa das cabines. O surfista-que-um-dia-amei também se deixou embalar pelas ondas, logo ocupando a última caminha vaga. Só os duros-de-matar continuaram empoleirados no convés, rindo, tocando e cantando sob o luar da Guanabara.

Muitas cervejas mais tarde, me dei conta de que ninguém ia mais embora dali. Todos os recantos ocupados, achei natural pedir guarida ao meu ex-amor num cantinho de sua cabine. Tateando no escuro, cheguei junto dele, e o acordei carinhosamente. Escuta. São altas da noite e, pelo jeito, todo mundo vai ficar por aqui mesmo. Não tem espaço pra dormirmos todos lá fora. Posso me estirar aqui com você? A resposta veio sonolenta, mas nítida: Claaaaro. Abandonei os festejos náuticos à francesa e me estiquei ao lado de meu ex-amado.

Temerosa de transgredir barreiras, concentrei o que restava de minhas forças em permanecer comportada e imóvel. Continuava ouvindo risos lá fora enquanto esperava o álcool e o balanço do mar surtirem seus efeitos soníferos. Já na última fronteira da vigília, um fragmento de uma frase dita lá em cima se infiltrou na escuridão de minha semi-consciência. Alguém vai contar pra Baronesa que ela está na cama errada, ou vamos deixar ela lá mesmo?

Entre olhar pro lado, descobrir que eu tinha errado a entrada e me deitado com o namorado alheio, e saltar acrobaticamente para o convés, foi um segundo. Dois, talvez. No terceiro, já estávamos todos rindo compulsivamente, amontoados uns sobre os outros no deque do veleiro... Inclusive a namorada lesada – que, por sinal, devia tirar a limpo com seu parceiro o fato dele ter autorizado expressamente a minha invasão...

Às vezes a gafe é tal, que ultrapassa o ponto do acanhamento. Alguém sabe o nome da sábia pessoa que afirmou que o mico é edificante?



Capítulo terceiro.

Resignei-me a dormir com os amigos no relento. Nos acomodamos todos como pudemos sob um grande cobertor. Daí a pouco, uns rolaram pra cá, outros pra lá. E o silêncio se instalou no convés.

De repente, um movimento. Um movimento entre as minhas pernas! Tudo certo, alguém mudando de posição. Me acomodo melhor.

A pressão se repete. Me faço de morta. E lá vem ela de novo. Prendo a respiração.

Não tardou para eu detectar o que parecia....uma intenção! Uma persistência! Um ritmo! Não tardou para eu constatar que eu também não sou de ferro...

Em suma, meus caros. Meu diário de bordo desta noite poderia se resumir em duas frases. Primeiro, paguei o mico. Depois, com as estrelas como testemunha, um belo de um boquete...

Senti frio de manhã, e meu companheiro de cobertor me abraçou mais forte. Os primeiros raios de sol revelaram-no menos bonitinho do que parecia sob a luz do luar. Quando pisei em terra firme, já dispensava a associação à nobreza, muito preferindo a versão da Baronesa amnésica.

Capítulo quarto.



Os dois outros acasalamentos a que o título desta obra se refere serão poupados da devassa. Não por pudores de minha parte, mas por respeito aos objetos de meus desejos erráticos (a verdadeira Kika-a-estranha dá nomes a todos os bois citados em suas aventuras. Mais uma prova de que não somos, estritamente, a mesma pessoa). Diga-se somente que ambos os casos se cercaram de circunstâncias tragicômicas, sem quebrar a onda de trepadas desastrosas que só me deixam no atraso.

Já a palavra Funeral contida no título está aberta a interpretações. Talvez a autora queira dizer que, a julgar pelos últimos meses, sua vida sexual só pode ficar pior se o cara morrer em sua cama. Ou quem sabe acredite estar "sepultando" sua honra ao revelar suas aventuras frustradas em tantas cores e detalhes (ai de mim... eu, que não passo de uma romântica...).

Enfim, amigos. A busca continua. Deixo-vos hoje com mil vivas ao amor e, pelamordedeus, ao orgasmo... Quem sabe atrai...