sexta-feira

Carta de amor



Também, o livro escolhido por minha madrasta para minha iniciação literária, nos idos dos meus 12, 13 anos, foi Senhora, de José de Alencar! Era o meu destino que se selava: lá fui eu, na minha inocência, aprender sobre o amor com os românticos! E assim surge Kika, fadada ao anacronismo, propensa a se apaixonar mais pela idéia do amor do que pela pessoa amada. Em outras palavras, "estranha" desde a mais tenra idade.

Queridos,

Essa urgência insana de compartilhar minhas reflexões com o resto da humanidade não coincidiu com um coração partido por acaso. A partir do momento em que a paixão se consumiu, foi-se a vontade de escrever! Para os que me perguntam por que eu não embarco em projetos literários, eis a resposta. Só sei mesmo me expressar sobre minhas mazelas românticas. Minha única profissão alternativa implicaria na aquisição de um chapéu de caubói, um parceiro e uma viola.



Assim, pouco inspirada (vocês que são artistas, me respondam: é preciso sofrer para criar?), vou poupá-los de elucubrações vazias e tirar uma boa história do baú.

...Já contei que fazia muito tempo que eu não amava de verdade... Só não falei de todos os amores que eu inventei enquanto isso! Amigos, entendam... Espíritos sertanejos como o meu precisam de uma Musa... Para a gente, a paixão idealizada é psicossomática, fruto de uma necessidade patológica de amar. E, por mais que confunda, ela passa. Até passar, o único sintoma adverso é uma certa inclinação para as declarações bombásticas.

Com vocês, O dia em que me apaixonei... a-hem... por Pedro Luís.



Escuta aqui, rapaz.

Você não me conhece. Me sorriu duas ou três vezes (aii...), apareceu numas quantas matérias que eu roteirizei, conhece alguns amigos meus. Mas não me cumprimentaria na rua, não sabe sequer o meu nome. De forma que não tem o direito de ir invadindo minhas fantasias assim. Faça o favor de deixar os meus sonhos em paz. Ninguém te deu permissão pra me transformar, a essas alturas da vida, numa adolescente apaixonada.

Pedro Luís, Pedro Luís... Já foi gostoso te adorar à distância, te namorar com os olhos, curtir essa paixão sem conseqüências. Mas meu doce amor platônico cresceu tanto, que hoje chega a doer. Porque toda vez que te encontro, ele se confirma; porque sei que você não há de estar sozinho, e ainda assim te desejo; porque eu (jovem, solteira) tenho lá meus admiradores, mas é você (distante, impossível) que faz o meu coração suspirar... Quem te deu o direito de me encantar tão profundamente? Vá ser tão adorável pra outros lados (be good to me, please...).

Diga-se que isto se trata de um delírio insone - um impulso impensado - um desabafo. Não tenho feitio de destruidora de lares, Pedro, nem nasci pra ser tiete. Na verdade não há finalidade alguma nessa mensagem, fora a de levar pra mais perto de você esse sentimento insólito. Talvez eu ache que você entenda. Talvez espere que goste. Talvez esteja realmente ficando louca.

Assim, louca de amores, vou eu tentar dormir agora (me despeço dessa realidade ingrata, pra ir me casar com você em sonho!). Se acaso nos cruzarmos de novo um dia desses - o que é quase inevitável, - você há de me reconhecer: serei eu a garota tentando esconder a cabeça dentro da bolsa...

...Por mais que até me orgulhe desse meu amor anônimo. Por sua inocência sincera, sua intensidade... adolescente. Fique sempre, sempre bem, Pedro Luís. Te quero absurdamente. E tenho dito. Boa noite, meu amor.



Pois eis que amei Pedro Luís. Sim, aquele, o d'A Parede... Algo naquele jeitinho modesto e "do bem" me seduziu imensamente naquele momento de minha vida. Durante algumas semanas (meses?) de minha existência, fechei os olhos todas as noites (e vários momentos do dia) para fantasiar com ninguém menos do que aquele rapaz!

Para os que ainda têm dúvida, a carta acima foi, sim, enviada. E a correspondência que se seguiu foi longa, divertida, carinhosa. Uma história de amor com começo, meio, e fim, que, à sua maneira, me deu muita satisfação... Eu sou das que se expõem sem medo, e raramente se arrependem.

Minha mãe, louca diagnosticada, foi a primeira a me entender. Mau sinal. Isso porque a culpa não é nem dela, e sim da bendita (querida, amada) madrasta que um dia me apresentou a José de Alencar...

2 comentários:

Anônimo disse...

Depois de algumas cervejas, você conta o meio e o fim? ;)

Kika Serra disse...

Oh céus, cá estou eu destruindo reputações sem me dar conta. Não rolou um tórrido romance no meio disso tudo. Uma troca de emails simpáticos, e nada mais. Mas dado o teor absurdamente platônico dessa história toda, para mim pareceu uma "história de amor com começo, meio e fim"...

Deu pra entender?