segunda-feira

Quatro Acasalamentos e Um Funeral



As histórias que estou prestes a narrar são de natureza íntima e talvez causem constrangimento às almas mais puritanas. Certamente seria mais sensato legá-las à tradição oral: aquela passada de amiga a amiga, atravessando gerações espontâneas de chopes e risadas. Se as reproduzo aqui, será para evitar que elas tomem proporções mitológicas; por querer continuar a exploração blogueiro-filosófica de todas as minhas facetas; ou simplesmente por me tratar de pessoa influenciável, cujos amigos insistem que eu conte tudo nessas páginas. Sem pensar nas conseqüências, o Arquivo K de hoje joga a porra no ventilador.



Capítulo primeiro.

Depois de um árduo dia de trabalho, duas almas cristãs conseguem me arrastar pra tomar uma cerveja ao som de um sambinha bacana. Kika, míope e convalescente de um coração partido, passa batido pelo violonista de sete cordas, sequer percebendo que seus atributos físicos não estão nada aquém dos musicais.

Finda a primeira parte do show, o rapaz se planta do meu lado. O papo engata de primeira, e avança desvairado em todas as direções. O interlúdio transcorre sem que a gente credite a existência de outras pessoas na mesa. Quando o conjunto se dirige ao palco para o segundo set, a ficha – plim – cai. Kika, desiludida e míope, porém não cega, finalmente se dá conta de que o violeiro é uma gracinha – e está no papo.



Não é que o gatinho me acompanhou até a porta de casa? E subiu? E entrou? Conversamos, bebemos, ouvimos música, bebemos, fumamos um, bebemos. Até dançar, a gente dançou. Estávamos nos divertindo, curtindo cada momento, totalmente à vontade, totalmente sem pressa. Jovem, mas muito inteligente e interessante, o menino tem o dom do toque, aquele equilíbrio perfeito entre força e delicadeza que poucos conhecem. Os beijos se introduzem em nosso colóquio com toda naturalidade e doçura. E estendem-se, enfim, até o quarto.

Fade out.

Arrasado, ele explica que acabou de sair de um longo namoro e se desacostumou a usar camisinha. Eu demonstro minha compreensão partindo em súbita disparada. O violonista de sete cordas corre em meu encalço e me encontra debruçada sobre o vaso. Depois de tantas negociações, desfrutadas com tanto deleite, ele brocha, e eu passo mal, nua e indignamente, no banheiro de empregada.

Bom. Subtraindo a última hora de humilhações generalizadas, a noite foi ótima.

Capítulo segundo.



Mal se completou o quorum da festinha, e já tinham me apelidado de “Baronesa” (não sei se em alusão aos meus régios modos, ou pela semelhança com uma certa personagem de novela vitimada pelo Alzheimer). O barquinho era pequeno: no interior, uma cama de casal e duas micro-cabines. Sei que, lá pelas tantas, os convidados começaram a se acomodar. O primeiro se estirou ali no convés mesmo, e dormiu o sono dos anjos enquanto a festa ainda rolava solta à sua volta. O segundo largou a namorada do lado de fora, para se aposentar sozinho numa das cabines. O surfista-que-um-dia-amei também se deixou embalar pelas ondas, logo ocupando a última caminha vaga. Só os duros-de-matar continuaram empoleirados no convés, rindo, tocando e cantando sob o luar da Guanabara.

Muitas cervejas mais tarde, me dei conta de que ninguém ia mais embora dali. Todos os recantos ocupados, achei natural pedir guarida ao meu ex-amor num cantinho de sua cabine. Tateando no escuro, cheguei junto dele, e o acordei carinhosamente. Escuta. São altas da noite e, pelo jeito, todo mundo vai ficar por aqui mesmo. Não tem espaço pra dormirmos todos lá fora. Posso me estirar aqui com você? A resposta veio sonolenta, mas nítida: Claaaaro. Abandonei os festejos náuticos à francesa e me estiquei ao lado de meu ex-amado.

Temerosa de transgredir barreiras, concentrei o que restava de minhas forças em permanecer comportada e imóvel. Continuava ouvindo risos lá fora enquanto esperava o álcool e o balanço do mar surtirem seus efeitos soníferos. Já na última fronteira da vigília, um fragmento de uma frase dita lá em cima se infiltrou na escuridão de minha semi-consciência. Alguém vai contar pra Baronesa que ela está na cama errada, ou vamos deixar ela lá mesmo?

Entre olhar pro lado, descobrir que eu tinha errado a entrada e me deitado com o namorado alheio, e saltar acrobaticamente para o convés, foi um segundo. Dois, talvez. No terceiro, já estávamos todos rindo compulsivamente, amontoados uns sobre os outros no deque do veleiro... Inclusive a namorada lesada – que, por sinal, devia tirar a limpo com seu parceiro o fato dele ter autorizado expressamente a minha invasão...

Às vezes a gafe é tal, que ultrapassa o ponto do acanhamento. Alguém sabe o nome da sábia pessoa que afirmou que o mico é edificante?



Capítulo terceiro.

Resignei-me a dormir com os amigos no relento. Nos acomodamos todos como pudemos sob um grande cobertor. Daí a pouco, uns rolaram pra cá, outros pra lá. E o silêncio se instalou no convés.

De repente, um movimento. Um movimento entre as minhas pernas! Tudo certo, alguém mudando de posição. Me acomodo melhor.

A pressão se repete. Me faço de morta. E lá vem ela de novo. Prendo a respiração.

Não tardou para eu detectar o que parecia....uma intenção! Uma persistência! Um ritmo! Não tardou para eu constatar que eu também não sou de ferro...

Em suma, meus caros. Meu diário de bordo desta noite poderia se resumir em duas frases. Primeiro, paguei o mico. Depois, com as estrelas como testemunha, um belo de um boquete...

Senti frio de manhã, e meu companheiro de cobertor me abraçou mais forte. Os primeiros raios de sol revelaram-no menos bonitinho do que parecia sob a luz do luar. Quando pisei em terra firme, já dispensava a associação à nobreza, muito preferindo a versão da Baronesa amnésica.

Capítulo quarto.



Os dois outros acasalamentos a que o título desta obra se refere serão poupados da devassa. Não por pudores de minha parte, mas por respeito aos objetos de meus desejos erráticos (a verdadeira Kika-a-estranha dá nomes a todos os bois citados em suas aventuras. Mais uma prova de que não somos, estritamente, a mesma pessoa). Diga-se somente que ambos os casos se cercaram de circunstâncias tragicômicas, sem quebrar a onda de trepadas desastrosas que só me deixam no atraso.

Já a palavra Funeral contida no título está aberta a interpretações. Talvez a autora queira dizer que, a julgar pelos últimos meses, sua vida sexual só pode ficar pior se o cara morrer em sua cama. Ou quem sabe acredite estar "sepultando" sua honra ao revelar suas aventuras frustradas em tantas cores e detalhes (ai de mim... eu, que não passo de uma romântica...).

Enfim, amigos. A busca continua. Deixo-vos hoje com mil vivas ao amor e, pelamordedeus, ao orgasmo... Quem sabe atrai...

3 comentários:

Tatá disse...

Belo texto
Me diverti bastante
ótimo teres resgatado ele, pra engrossar o caldo desse momento político que Fran desencadeou... como se as que não fazem nada são as que eles querem "pra casar"...kkkkk
Abraço querida!!
Que nosso feminino humano e sagrado seja apreciado em sua inteireza, e que possamos todas ser felizes, abençoadas pelo Amor Profundo e verdadeiro!

Biancabis disse...

Também achei divertido e bem escrito! E fiquei bem perdidinha em saber quem é a verdadeira narradora. Kika e seu inseparável Suingue continuam juntinhos, ne?

Kika Serra disse...

Continuamos juntíssimos, Bianca! Esse texto é super antigo, dos tempos de solteira... Resolvi republicar num acesso de ódio contra o machismo brasileiro. O episódio recente de um vídeo de uma jovem fazendo sexo oral trouxe aquela saraivada de comentários misóginos que deus me livre.

Repito aqui o que disse no Facebook: mais do que o machismo em si, o machismo hipócrita é uma das coisas que mais me enervam na cultura brasileira. O cara adora uma mulher safada, só não tem respeito por ela. Já vi amigos - pessoas do meu círculo social, não do canteiro de obras mais próximo - não conseguirem disfarçar a opinião baixa que têm de mulheres que tenham se relacionado sexualmente com mais do que alguns poucos grandes amores de suas vidas. Ou que admitam que façam (aqui eu tive que pedir ajuda aos universitários, pro Face não me censurar. Vocábulos sugeridos: bolagato, chupa chups, ballcats... deu pra entender, né). Já chorei, das lágrimas escorrerem em público, ao ouvir mulher sendo classificada por "piranha", ainda que jocosamente, porque é sexualmente bem resolvida.

Enfim. A questão é que acho que ser contra isso tem que se tornar um ato político explícito. A gente não pode tratar a sexualidade feminina como tabu, com medo que os outros "pensem menos" da gente. Por isso tirei do baú esse texto meu, escrito uns 10 anos atrás, sobre algumas desastradas experiências sexuais. Não é nada de sensacional, apesar de todo esse preâmbulo!! Mas eu tinha tirado ele do ar por auto-censura, quando comecei a ganhar muita exposição com o CAS. Censura doravante revogada. Dane-se o que queiram pensar. Quem tem que mudar são eles, não eu."

É isso...